Seria presunçoso afirmar que a região do Cabo, na África do Sul, possui as flores mais bonitas do mundo? Para os botânicos que estudam o bioma, não. O Cabo é um ecossistema extraordinário e um dos mais ricos do planeta em biodiversidade. Aqui as plantas são mais importantes que os grandes mamíferos que dão fama ao continente.
“Apesar da pequena área, a região do Cabo é um dos seis reinos florais do planeta. Em termos relativos, é o mais diversificado de todos. Encontramos cerca de 9.100 espécies de plantas e 6.226 delas são endêmicas, só existem aqui”, afirma Richard Cowling, botânico que reside em Scarborough, a meio caminho entre a Cidade do Cabo e a ponta da Península do Cabo da Boa Esperança.
Richard convida-me a acompanhá-lo ao quintal e dá início à aula do dia. Ele explica que a vegetação local abriga quatro tipos principais de plantas: proteas, éricas, restionáceas e bulbos. “Do total de 870 espécies de éricas no mundo, 74% são endêmicas da região do Cabo”, diz o botânico com entusiasmo. “Temos aqui também uma tremenda variedade de bulbos, mais de 1.500 espécies. Quando os europeus chegaram ao Cabo ficaram entusiasmados com os gladíolos, frésias e açucenas e desenvolveram uma lucrativa floricultura.”
Botânicos locais, do Grupo de Conservação de Flora de Simon’s Town, identificaram que a Península do Cabo abriga 2.285 espécies de plantas em apenas 477 km2. Quando comparada a outras áreas com a mesma dimensão, a península possui a maior concentração de diversidade floral no mundo. A proporção de espécies por quilômetro quadrado é ainda maior na reserva natural Cabo da Boa Esperança. Em apenas 78 km2 a área protegida hospeda quase 1.200 plantas. Os estudiosos orgulham-se em dizer que essa pontinha da África é 2.500 mais rica que a do Reino Unido.
A alta diversidade das plantas na Província Floral do Cabo é explicada pelo clima – a convergência dos dois oceanos, Atlântico e Índico, com suas águas frias e quentes – e pela topografia variada, composta de planaltos, montanhas, vales e planícies costeiras. Essa heterogeneidade de ambientes e microclimas permitiu a evolução de milhares de espécies.
O Cabo possui cinco famílias e 160 gêneros de plantas que só existem na região e contêm 70 das 115 proteas. Com tantos argumentos a favor, o pequeno território é considerado uma prioridade para a conservação da biodiversidade. A Conservation International a classifica como um dos 37 hotspots do planeta.
A manhã seguinte também tem seu cunho didático: visito o Jardim Botânico Kirstenbosch. Ao pé da Montanha da Mesa, o lugar abriga 5 mil exemplos da flora sul-africana. Nada de espécies invasoras, como os eucaliptos, odiados na região; apenas plantas locais.
Sigo sugestão de Cowling e vou diretamente ao espaço das proteas. O que deveria ser uma visita superficial transforma-se em um mergulho no mundo das flores dessa família. Contrastando com as folhas verdes, grossas e escuras, cada espécie desabrocha uma diferente joia. Os estames de cores vivas – vermelho, laranja ou amarelo – abrem-se como que querendo revelar a magia da natureza.
Busco a King Protea, a mais exuberante de todas. Sua flor, de pétalas rosadas, pode chegar a 30 cm de diâmetro e se mantêm aberta durante semanas. A King Protea é o rei da família das Proteáceas, que compreende 115 súditos (61% são sul-africanos) e é reverenciada como flor nacional. A planta assemelha-se a uma alcachofra vermelha, aparência que sugeriu o nome para a espécie – cyranoides – ou seja, “como uma alcachofra”. O nome protea também inspirou os jogadores de críquete, um esporte popular no país, e a seleção sul-africana leva o apelido.